Em São José da Tapera, a comunidade quilombola Caboclo — que recebeu esse nome a partir da lenda das “caboclinhas da beira do riacho”, assombrações que castigavam quem assobiava para o mato com galhos de urtiga — hoje não teme mais as antigas histórias de assombro, mas sim o avanço da violência. Esse foi o principal problema denunciado pelos moradores à Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco.
Segundo os relatos feitos à equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI, os quilombolas têm enfrentado homicídios, assaltos e agressões, gerando um clima de insegurança. Para Valdirene Maria da Silva, presidente da Associação de Remanescentes Quilombolas do Distrito de Caboclo, a comunidade precisa de maior atenção do poder público.
“As pessoas não podem mais ficar nas calçadas, os jovens têm medo de usar o celular e as crianças já não brincam na praça sem receio de que algo aconteça. Somos 350 famílias, não somos uma comunidade pequena. Exigimos providências das autoridades, porque merecemos respeito”, afirmou a liderança.
O antropólogo Ivan Farias, integrante da FPI, destacou que, apesar dos avanços em saúde e educação desde a última visita da equipe, o crescimento urbano trouxe consigo problemas típicos das cidades. “O asfalto chegou, mas com ele vieram os problemas urbanos. É preciso dialogar com essa nova realidade”, avaliou.
O procurador da República Érico Gomes defendeu medidas repressivas e preventivas para garantir a segurança dos moradores. “O Estado precisa oferecer rondas policiais e instalar câmeras de monitoramento. Também é essencial cobrar melhorias como iluminação pública para coibir a violência”, ressaltou o coordenador-geral da FPI.
Violência doméstica preocupa
Outro problema relatado em Caboclo é a violência doméstica. Em um caso recente, um filho assassinou a própria mãe. Para enfrentar situações como essa, a Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais tem atuado junto à FPI.
“Mesmo cientes dos altos índices de feminicídio em Alagoas, os relatos continuam impactantes. Nosso papel é acolher essas mulheres, dar segurança e incentivar as denúncias”, destacou Elis Lopes, coordenadora da Rede.
Boiadas colocam moradores em risco
Além da criminalidade, a comunidade enfrenta o risco do trânsito de gado dentro do povoado. Desde que foi bloqueada a via de acesso ao município de Senador Rui Palmeira, comerciantes passaram a atravessar Caboclo semanalmente com boiadas.
“Todas as segundas-feiras à tarde os bois passam pelo povoado, e na terça voltam. A gente precisa se trancar em casa para evitar acidentes, principalmente com crianças e idosos”, relatou Valdirene.
Outras demandas
Além da violência e do trânsito de gado, a FPI atua para garantir a demarcação do território quilombola e melhorias nos serviços públicos da comunidade.
Na 15ª etapa, a fiscalização visitou 11 comunidades tradicionais: Gameleiro e Guarani (Olho d’Água das Flores), Aguazinha (Carneiros), Chifre do Bode e Poço do Sal (Pão de Açúcar), Cacimba de Barro e Caboclo (São José da Tapera) e Pau Ferro, Caititu, Alto da Madeira e Ribeira (Jacaré dos Homens). Em muitas delas, os problemas se repetem: falta de abastecimento regular de água, inexistência de esgotamento sanitário, coleta de lixo insuficiente, moradias precárias em taipa, transporte escolar inadequado e dificuldades de acesso a programas sociais devido à exigência de comprovação de identidade quilombola pelos municípios.
A equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural é formada pela AGENDHA, Fundação Palmares, Incra, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério Público Federal (MPF), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais e Semarh.
COM/FPI/MPF
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