18/01/2025 às 15h38
Acta
MACEIO / AL
Uma das credoras trabalhistas de Collor entrou com pedido para que a Justiça comum também reconheça um mecanismo jurídico até agora só utilizado na Justiça do Trabalho.
O dispositivo seria aplicado no processo em que as empresas de Collor, o grupo de comunicação Organização Arnon de Mello (OAM), alegam tentar evitar a falência: a recuperação judicial, que está tramitando na 10ª Vara Cível da Comarca de Maceió.
Foi por meio do dispositivo, acionado nesta sexta-feira (17) à noite, que outra credora conseguiu receber o que lhe era devido, a partir do patrimônio não das empresas, mas, da família de Collor.
E nem sequer do dele, pois não foram encontraram valores em contas de Collor.
Por isso, a medida dessa sexta contém também uma denúncia de fraude à execução; o que é crime.
O pagamento à profissional saiu das contas da atual mulher.
A jornalista vivenciou sofrimento psicológico, deixou o estado e mudou de profissão, mas teve reconhecido seu direito e recebeu cerca de meio milhão de reais, depois que seu advogado entrou com a medida legal, reconhecida em Alagoas e pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Outros credores, então, passaram a arguir o mesmo instrumento legal.
Denominado tecnicamente de IDPJ (Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica), na prática, o dispositivo aponta a chamada confusão patrimonial: quando recursos da empresa são usados para pagar contar de seus donos, diretamente.
Sob o argumento de que o patrimônio da pessoa jurídica beneficiava de forma irregular a pessoa física, o IDPJ faz a alegação inversa, para efeito de cobrança: cobra do patrimônio da pessoa física, uma dívida que deveria ser paga pela empresa.
O mecanismo está previsto em lei.
No entanto, até agora, no caso das problemáticas empresas de Collor, só tinha sido usado em processos trabalhistas.
A petição (pedido à justiça feito por advogados) foi protocolada na 10ª Vara Cível da Comarca de Maceió, que, pela recuperação judicial, concentra todos os processos na Justiça comum.
Para melhor entendimento.
A recuperação judicial é um benefício da lei: na prática, uma espécie de blindagem à empresa (termo, aliás, usado em decisões de tribunais superiores).
A ideia é evitar que empresas de porte, que se encontram insolventes, vão à falência, levando consigo uma cadeia de fornecedores e, sobretudo, muitos empregos.
Por um período, a empresa não pode ser alvo de processos, ter bens penhorados e não ser afetada nem num ponto comum a qualquer contrato, por mais simples que seja: a escolha do foro para resolução de conflitos.
Este último ponto é um dos que geram discussão, por estar no centro das alegações que levaram a justiça de Alagoas a manter “à força” a sociedade da emissora de tevê do grupo de empesas de Collor com a Rede Globo.
A emissora carioca precisa romper a sociedade com empresas de Collor, por afetar sua reputação estar ligada a um condenado pelo STF (e que usou a empresa associada para lavagem de dinheiro).
No contrato, estipulado lá pelos idos da década de 1970, o foro escolhido foi o do Rio de Janeiro para discussão de quaisquer conflitos – cláusula elementar em todo contrato.
Sob o argumento de que a recuperação judicial concede essa blindagem, a justiça de Alagoas entendeu que o foro deve ser o de Maceió – e passou por cima desse ponto elementar, mandando manter o contrato.
Jurista ouvido pelo espaço diz que o resultado prático da medida protocolada nessa sexta é tornar mais caótico um processo que já vinha marcado por desacertos desde o começo.
A petição, encaminhada à Justiça entre o final da tarde e início da noite, é direcionada contra Collor, a atual mulher, Caroline Serejo Medeiros Collor de Mello, e ao diretor-executivo do grupo de comunicação, Luís Amorim.
Ou seja: em caso de o processo ser aceito, como no da jornalista que ganhou em instância final, o patrimônio pessoal deles seria bloqueado para o pagamento.
Três empresas do grupo também deverão assumir a obrigação de arcar com o pagamento, em caso de decisão favorável.
Ao listar os argumentos da defesa da credora trabalhista, a petição aponta ainda para indícios do que este espaço vem citando há mais de uma postagem: de que a recuperação judicial não seria uma tentativa de a empresa se reequilibrar financeiramente coisa nenhuma, mas, sim uma manobra visando dar calote nos credores trabalhistas.
“Entretanto, até hoje a recuperanda não cumpriu a determinação”, cita o documento, num dos trechos, referindo-se a uma determinação judicial não cumprida pelas empresas.
O termo “recuperanda” é como, judicialmente, os processos se referem às empresas que estão sob recuperação judicial.
“Ao invés disso, vem pedindo sucessivamente a suspensão do Stay Period (sem previsão legal) para a realização de mediações sem a presença de mediador, com uma proposta fixa imposta para o credor sem que ele tenha possibilidade de negociar”.
Outra expressão usada nos processos de recuperação judicial, o “stay period” é o intervalo entre a autorização da Recuperação Judicial (no caso da Organização Arnon de Mello, em 3 de setembro de 2019) até a aprovação do plano em assembleia de credores e a homologação pelo juiz da Vara judicial onde estiver o processo.
Trata-se de um período em que a empresas recebe a blindagem, mas, deve se comprometer com a Justiça a adotar uma série de medidas: pagar a quem deve, se reequilibrar – de verdade – financeiramente e dentro de um prazo definido em lei.
E para garantir que o processo seja executado com seriedade, a lei que criou a recuperação judicial previu a figura do administrador judicial: uma espécie de olheiro do juiz, dentro da empresa.
Esta pessoa, na OAM, é José Luiz Lindoso, que também desempenhou a mesma função em processo semelhante do grupo Laginha, do falecido empresário João Lyra.
E do qual acabou afastado após denúncias de atuação irregular.
Nada do que prevê a lei, pelo visto, foi cumprido no caso das empresas de Collor.
O mesmo documento traz trecho relembrando manifestação da própria 10ª Vara (onde corre o processo), “em face das diversas alegações de nulidade da Assembleia Geral de Credores”, deu prazo de 15 dias para que empresa apresente um novo plano [de pagamento aos credores].
Isso foi há mais de dois anos.
O advogado da credora também anexou capa de reportagem do portal UOL citando o uso da empresa do grupo de comunicação de Collor, a Organização Arnon de Mello (OAM), que retransmite o sinal da Globo para cometer a lavagem de dinheiro, crime pelo qual foi condenado no STF.
O que, aliás, bem justifica a intenção da emissora carioca de se ver livre da sociedade.
Também foram anexadas manchetes de outros veículos de âmbito nacional para comprovar irregularidades cometidas por Collor, já durante o período em que as empresas já contavam com a proteção judicial, via recuperação judicial, e sendo cobradas a pagar dívidas.
O que para um entendedor de justiça elementar serve de comprovação, quando se fala em fraude à execução e pagamento de dívidas – processo (nunca é demais lembrar) mediado pelo Judiciário.
“Diante de tantas provas e evidências de irregularidades, sob o pretexto de preservar a empresa, este juízo não pode fechar os olhos para os prejuízos aos credores, sobretudo os trabalhistas, cujo crédito tem natureza alimentar”, diz trecho do documento do advogado da credora.
E cita mudança na concepção dos tribunais: o pagamento de credores (justamente pela natureza alimentar) está acima até mesmo da preservação das empresas.
“Nesse sentido, a decisão mais recente do Superior Tribunal de Justiça, com repercussão geral, é uma prova de que a satisfação de créditos de natureza alimentar não pode ser frustrada, nem mesmo sob o pretexto de preservar a empresa”, explica o advogado da credora trabalhista que entrou com a petição.
O titular da defesa jurídica da credora anexou trechos de decisões judiciais de tribunais superiores que trataram de casos semelhantes:
“Não se afigura possível, com amparo em norma principiológica do mesmo diploma legal, manter o sobrestamento das execuções individuais, a despeito do encerramento do período de blindagem sem deliberação do plano e sem apresentação de plano alternativo pelos credores, permitindo, reflexamente, a extensão dos efeitos do stay period, sem que haja a indispensável autorização dos credores para tanto (seja como intuito de apresentar um plano facultativo, seja com o fim exclusivo de prorrogar o prazo para dar continuidade às negociações)”, diz um deles.
Em outras palavras: não é possível manter suspensos os processos de execução das cobranças do que os credores trabalhistas têm para receber, sem que tenha sido apresentado um plano alternativo.
O blog apurou que a apresentação de um plano alternativo, já usado em outros processos de recuperação judicial pelo Brasil, elaborado pelos credores e não pela empresa, é uma das propostas do advogado da credora que deu entrada no pedido inédito de extensão do IDPJ, no final dessa semana.
Trecho de outra decisão, também anexado pelo advogado diz:
“Para os propósitos aqui perseguidos no âmbito de conflito de competência, exaurido o prazo de blindagem e não tendo o Juízo da recuperação judicial determinado sua prorrogação ou a subsistência de seus efeitos (decisão, naturalmente, passível de ser impugnada pela via recursal própria), as execuções individuais, inclusive, as de crédito concursal, podem prosseguir, não mais subsistindo a competência do Juízo recuperacional”.
Para melhor entendimento: se o prazo de proteção da empresa, previsto na autorização da justiça para que ela entre em recuperação judicial (blindagem), expirou – e isso, no caso das empresas de Collor, já se deu há muito mais tempo do que o previsto em lei –, os credores podem cobrar suas dívidas fora da jurisdição da 10ª Vara Cível de Maceió (que hoje concentra todos os processos – até o da Globo).
Ou seja, a 10ª Vara, que hoje concentra as demandas por causa da blindagem dada pela recuperação judicial, deixaria de ter essa prerrogativa.
Ou deixará – conforme a mobilização no manuseio dos dispositivos legais demonstrado pelo advogado da credora trabalhista, que, na prática, abriu outra frente para atuação dos trabalhadores que há pelo menos quatro anos buscam a justiça para serem atendidos em seus direitos mínimos: receber pelo tempo em que trabalharam.
FONTE: Blog do Felipe Farias
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